quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Mostra A Poética do Hai Cai e da Imagem

Ângela Barbour
Saudade,  2014
Instalação 
Dimensões variáveis 

Casa do Olhar Luiz Sacilotto

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Tec(ss)ituras


Tecendo Camadas

“... nesse primeiro momento, não fazia a menor idéia do que estava vendo. Havia luz, movimento e cor, tudo misturado, sem sentido, um borrão. E então, do meio da nódoa veio uma voz que dizia: “Então?”. Foi nesse instante, e somente nesse instante, ele disse, que finalmente se deu conta de que aquele caos de luz e sombra era um rosto...” (01)Oliver Sacks.


Para o mundo das pessoas capazes de enxergar, as questões visuais propriamente ditas passam muitas vezes despercebidas. A revelação de Virgil,  um homem cego desde criança, ao recuperar a visão, nos coloca face a face com nossa própria impossibilidade de perceber esta realidade do visível, sobre a qual deveríamos ter absoluto conhecimento e controle desde a mais tenra infância. Temos contato mas não consciência dos processos que a envolvem. Por este motivo nos parecem estranhas perguntas como esta proposta pelo Pato:  A Transparência?.. tem Peso?




Transparência tem a ver com visibilidade, que tem a ver com percepção de camadas, que tem a ver com tempo.

“...o tempo da consciência se distingue do tempo dos relógios, pelo que o tempo subjetivo, como dizem os filósofos, difere do tempo objetivo.” (02)André Comte-Sponville.


Para Virgil, que acabara de recobrar a visão, no texto de Oliver Sacks, nada do que via parecia reconhecível, mas apenas sinais, borrões, uma mistura de imagens que não faziam sentido, a menos que ele pudesse relacionar com sons ou tato. Todo seu tempo de vida de nada valia para este novo sistema de signos com unidade na imagem, todo seu aprendizado tátil e sonoro que dava significado a um possível entendimento espacial só fazia sentido de olhos fechados. Tecer a teia de relações entre conhecimento espacial das percepções táteis e sonoras com conhecimento do mundo através da visão, esta era, a extenuante e nova tarefa, que levou Virgil, ao seu fim, perder novamente a visão e morrer. Como nascer de novo? Como reaprender a andar se o chão de repente estivesse em nossa cabeça e a gravidade continuasse a nos jogar para baixo?

Passado e futuro...

“Agora”? É o que os separa e os une, e é por isso que, para Montaigne não é nada (se fosse alguma coisa, seria uma duração, que por sua vez deveria ser dividida em passado e futuro...) Entretanto , esse nada é a única coisa que nos é dada. É o que nos separa do ser, da eternidade, de nós mesmos de tudo”- Ser no tempo é ser presente ou não ser. Mas ser presente já é cessar de ser. (02)André Comte-Sponville.

Toda percepção espacial, ou seja do mundo visível, está portanto vinculada à questão temporal. O exemplo de Virgil é extremo, mas serve para entendermos que toda percepção do visível teve de ser em algum momento decodificada. Primeiro apreendida e depois aprendida, ou seja, diversas sequências temporais são necessárias para que possamos ter a noção exata da realidade ao nosso redor. Sequências estas que ao se concretizarem já não o são, ou seja, já não existem..
E a transparência não é um fenômeno separado disto, ela é resultado de sobreposições, de camadas, que podem ser mais ou menos densas, interferindo mais ou menos nos planos visíveis posteriores, e portanto terá sim seu peso, de acordo com as modificações que possa provocar na percepção visual do espaço ao nosso redor.



“... observo, que a dimensão, a forma, a própria cor dos objetos exteriores se modificam conforme meu corpo se aproxima ou se afasta deles, que a força dos odores, a intensidade dos sons aumentam e diminuem com a distância, enfim, que essa própria distância representa sobretudo a medida na qual os corpos circundantes São assegurados, de algum modo, contra a ação imediata do meu corpo... Os objetos que cercam meu corpo refletem a ação possível de meu corpo sobre eles... Há um sistema de imagens que chamo de minha percepção do universo, e que se conturba de alto a baixo por leves variações de uma certa imagem privilegiada, meu corpo. Esta imagem ocupa o centro; sobre ela regulam-se todas as outras; a cada um de seus movimentos tudo muda, como se girássemos um caleidoscópio...” (03)Henri Bergson.

A partir destas colocações de Bergson, o que dizer deste espaço e de sua percepção? Se só o fato de meu corpo nele estar já altera esta percepção?
Se o próprio espaço se compõe de camadas que se entremeiam e se movem, com o movimento de meu corpo, camadas estas que poderiam ser interpretadas como transparências, de diversos pesos, formas e densidades.
Como colher verdades absolutas de um sistema que se altera a cada instante, e que se move comigo, como tecer considerações sobre, visibilidade, transparência e peso, se cada uma destas propriedades do espaço visível é altamente mutante?



Na verdade, não há percepção que não esteja impregnada de lembranças. Aos dados imediatos e presentes de nossos sentidos misturamos milhares de detalhes de nossa experiência passada...  Por mais breve que se suponha uma percepção, com efeito, ela ocupa sempre uma certa duração, e exige conseqüentemente um esforço da memória, que prolonga, uns nos outros, uma pluralidade de momentos. (03)Henri Bergson.

Cada pequena percepção surge como energia luminosa que ao atingir o sistema de visão, se transmuta em energia elétrica, para, através das células nervosas chegar ao cérebro, e ali com base em seu conteúdo, ser traduzida, interpretada e vivida. Desta forma este sistema está muito longe de produzir verdades, as ilusões de ótica estão ai para comprovar isto.

O que você tem a explicar; portanto, não é como a percepção nasce, mas como ela se limita, já que ela seria, de direito, a imagem do todo, e ela se reduz, de fato, àquilo que interessa a você. (03)Henri Bergson.

A vivência final, no processo perceptivo, é, portanto a resultante de todas estas interpretações, que ao passarem por um filtro denso de conexões e lembranças, vão surgir no pensamento como um recorte da realidade selecionado de um todo muito maior, um todo que a cada momento se move e muta, criando novas relações com as percepções subjacentes.
Entender este sistema de percepção visual da realidade como um rizoma, nos possibilita transitar por uma cadeia de pensamentos e imagens, onde nada é absoluto, e sendo mutável, passível de ser revisto, reinterpretado, ou visto novamente, e cada instante de uma nova maneira.
Creio ser este conhecimento e atitude a essência do processo de criação artística.


Isto a meu ver não significava somente uma depuração extrema, mas a tomada de consciência do espaço como elemento totalmente ativo, insinuando-se, aí, o conceito de tempo. Tudo o que era antes fundo, ou também suporte para o ato e a estrutura da pintura, transforma-se em elemento vivo; a cor quer manifestar-se íntegra e absoluta nessa estrutura quase diáfana, reduzida ao encontro dos planos ou à limitação da própria extremidade do quadro. (04)Helio Oiticica.



O grande salto de Oiticica da Tela para o espaço se dá com base numa percepção de realidade ampliada, onde ele abandona o espaço bidimensional da tela por julgá-lo incapaz de acolher todos seus anseios de planos diáfanos da realidade.
Poderíamos entender estes diáfanos como transparências? Quantas são as camadas que neste momento nos separam da realidade a nossa volta? Somente teremos transparência se tivermos anteparos?
Não, a própria camada de ar, quanto mais espessa funcionará como uma transparência de maior peso, e, portanto alterando a percepção do fundo que ela mesma revela.

Espero poder dar saltos no pensar e no ver para alcançar sempre novas tecituras ou tessituras de meu fazer, tecituras de tecidos e tessituras de intervalo de alcance.

De qualquer forma, não pretendo aqui chegar a nenhuma conclusão, mas somente levantar questões que possam ser tecidas na mente ou trabalho de cada um que ler estes textos e ver estas imagens.
E que venham as transparências todas, suas camadas e tecidos.


Quem escreve tece fios, que devem ser recolhidos pelo receptor para serem urdidos. Só assim o texto ganha significado. O texto tem, pois, tantos significados quanto o número de leitores. (05)Vilém Flusser.




(01) Sacks, Oliver. Ver e não Ver in Um Antropólogo em Marte: sete histórias paradoxais. 1995. SP. Cia das Letras.
(02) Comte-Sponville, André. O Ser-Tempo: algumas reflexões sobre o tempo da consciência. 2006. SP. Martins Fontes.
(03) Bergson, Henri. Matéria e Memória: ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. 1999. SP. Martins Fontes.
(04) Oiticica, Helio. A transição da cor do quadro para o espaço e o sentido de construtividade. In Escritos de Artistas, anos 60/70. Org. ferreira, Glória e Cotrim, Cecília. 2006. RJ. Jorge Zahar Editor.
(05) Flusser, Vilém. A Escrita – Há futuro para a escrita? 2010. SP.  Annablume.

A Transparência tem peso?


Reza a lenda que este grupo de artistas encontrou um pato falante (que não era branco) e, para a alegria de todos, ele falava português e não a língua de Tlón. Somente os pensamentos dos locutores deste grupelho tangenciam semelhanças com aqueles produzidos naquela terra borgesiana. Num dos encontros finais entre os membros deste séquito e o sujeito-pato, eis que ele nos mimosca com a seguinte sabatina: a transparência tem peso? Depois disso houve rumores incertos sobre a desintegração do pato. Em homenagem a ele, encontram-se neste livro os desdobramentos originados pela perturbadora questão sem jamais prescrever uma resposta objetiva e , portanto, enfadonha. O pato sempre nos exortava: por mais terrível que seja a viagem é nela que se apresentam as delícias; o destino é apenas um fato. 
Lygia Eluf

Papillons Études, 2011








Papillons Études
Livro de artista na mostra Conversa Gráfica











Conversa Gráfica





o projeto
Em 2011, durante um trabalho artístico promovido pelo projeto Diálogos, cujo foco recaía sobre as matrizes gravadas da Escola de Xilografia do Horto, pertencentes ao Museu Florestal Octavio Vecchi, constatou-se em seu acervo um grande número de tacos apenas desenhados (alguns poucos parcialmente gravados). Os tacos de madeira de guatambu-rosa encontram-se em vários estados de conservação, alguns com um grande desgaste do fundo preparatório, onde o desenho a grafite divide seu espaço com o desenho da própria madeira. Há poucas informações sobre os autores desses desenhos, já que a maior parte dos tacos não apresenta qualquer assinatura ou identificação.
Os tacos chegavam às mãos desses alunos, os aprendizes xilógrafos, da marcenaria já cortados, plainados e lixados, que finalizavam o trabalho com lixas de grão mais fina e faziam a preparação do fundo branco: com a palma da mão era espalhada, mais de uma vez, uma fina camada da mistura de óxido de zinco e goma arábica na consistência de uma pasta maleável. Assim adquiriam uma base branca que permitia distinguir melhor as nuances tonais de linhas e manchas e que não oferecia resistência aos instrumentos de gravação nem atrapalhava o corte.
Segundo um dos alunos da escola, Luiz Fernandes, que frequentou as aulas de 1940 a 1943, havia duas formas de trabalharem com o desenho: algumas vezes recebiam a madeira já desenhada pronta para gravar, outras vezes eles próprios repassavam desenhos, realizados por outra pessoa em uma folha de papel vegetal, para a madeira. Mas há também um depoimento de Maria Elizabeth Veiss, desenhista botânica do Instituto Florestal, também formada por Kohler, que sugere ter havido desenhistas exclusivamente responsáveis por esse preparo da matriz e da imagem a ser gravada.
Os desenhos eram feitos a lápis, com grafite de dureza média a alta, para serem interpretados ou traduzidos para a linguagem dos cortes de buris e goivas, ou seja, não eram indicativos diretos ou literais do tipo de corte a ser produzido – toda gradação tonal do desenho a grafite equivaleria a uma sintaxe linear própria da gravura em relevo.
Para expor essas indagações sobre a autoria dos desenhos, mas principalmente para reunir e divulgar essa coleção, optou-se agora por prolongar o projeto Diálogos, realizando segunda versão de uma mesma proposta: contatar, registrar e tornar mais acessível um acervo imagético importante, que é história viva da cidade, do país e do mundo, ligada ao contemporâneo através dos trabalhos de colegas artistas, convidados a conversarem com esse acervo de desenhos e a trazerem a público novas imagens.
Cleber Alexsander, Gilberto Tomé, Maria Pinto e Maura de Andrade









domingo, 26 de fevereiro de 2012